Introdução
Na semana passada, vimos a preparação de Jesus para o ministério por meio de Seu batismo no Jordão. Mas havia outra preparação que Deus tinha para Ele antes que Ele pudesse começar Seu ministério público, e esse foi um período de provação no deserto. Assim como Adão e Eva foram provados no Jardim, e assim como Israel foi provado no deserto, Jesus teve que passar por Seu tempo de prova em preparação para o ministério.
Esta passagem é
única para Jesus como o Filho de Deus e um padrão para nós como crentes em
Cristo. Todos nós somos tentados a pecar. Não passa um dia sem que os dardos
inflamados do inimigo nos ataquem. A alma de todo verdadeiro crente angustia-se
com o impulso da tentação, sabendo que ceder ao pecado entristece o Espírito
Santo que nos selou para o dia da redenção e impede nossa comunhão com Cristo.
Existe alguma
esperança para sermos libertos da armadilha da tentação? Esta passagem nos diz
“Sim”, nossa esperança é encontrada no Filho de Deus, Jesus Cristo! Tendo
sofrido tentação em todos os sentidos que somos, mas sem pecado (Hb 4:15), Ele
é capaz de socorrer aqueles que são tentados (Hb 2:18). Ele conhece nossas
fraquezas; Ele entende a atração dos desejos humanos e a ferocidade dos ataques
de Satanás. E Ele nos mostrou como combater a tentação no poder do Espírito
pela Palavra de Deus. A tentação de nosso Senhor é triunfante e instrutiva, e
continua sendo uma garantia de que o Senhor sabe como livrar os piedosos da
tentação (2 Pe 2:9).
Este texto enfatiza
o fato de que Jesus era o “Filho
de Deus” (Mt 4:3, 6). Lembre-se de
que este relato segue diretamente após Seu batismo por João no Jordão (Mt
3:13-17), onde Deus Pai declarou “Este
é o meu Filho amado, em quem me comprazo” (Mt 3:17). Sabemos que o Novo Testamento afirma tanto a divindade
quanto a humanidade de Jesus Cristo. Vimos Sua genealogia
humana em Mateus 1:1-17. Mas também vimos Sua genealogia divina quando Ele
foi concebido
pelo Espírito Santo (Mt 1:20).
A Bíblia declara
que “Deus não pode ser tentado
pelo mal” (Tiago 1:13). No
entanto, o Deus-Homem, Jesus Cristo foi tentado. Como homem, Jesus enfrentou a
tentação, mas como Deus, Ele não podia ser tentado, nem podia pecar. Os
teólogos chamam isso de impecabilidade de Cristo. Pode-se argumentar que a
impecabilidade de Cristo é uma função de sua divindade, mas não deve ser tomada
para mitigar sua humanidade, e a tentabilidade de Cristo é uma função de sua
humanidade, mas não deve ser tomada para mitigar sua divindade. Este é o
mistério da natureza do Deus-homem Jesus Cristo. Como o batismo de Jesus
declarou que Ele era Rei, Sua tentação demonstrou que Ele é Rei.
O texto de Mateus
4:1-11 é cheio de verdades espirituais e exemplos. Poderíamos fazer um estudo
inteiro sobre as estratégias de Satanás: como ele ataca durante uma fraqueza
(Jesus estava com fome), depois de uma vitória (Jesus tinha acabado de ser
batizado) e antes de um ministério (Jesus estava prestes a começar).
Poderíamos fazer um
estudo inteiro sobre a natureza da tentação: tentação física (envolvendo pão),
tentação emocional (envolvendo segurança e proteção), tentação espiritual
(envolvendo adoração). Poderíamos relacionar cada uma delas às tentações de Eva
no Jardim e às três categorias das coisas do mundo, “a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da
vida” que 1 João menciona.
Poderíamos fazer um
estudo inteiro sobre como vencer a tentação: como Jesus seguiu a liderança do
Espírito Santo; como Ele respondeu com as Escrituras; e como Jesus resistiu ao
diabo e ele o “deixou”.
E sim, aplicaremos
algumas dessas ideias do texto. Mas nosso principal propósito é ver Jesus como
Mateus O apresenta aqui. Mateus quer que vejamos a tremenda obediência de Jesus
para ver uma verdadeira demonstração de Sua justiça. Pois é em Sua tentação que
a verdadeira natureza de Jesus como o Rei vitorioso vem brilhando.
1. O Cenário da Tentação (Mt 4:1-2)
Permitam-me fazer
algumas observações importantes sobre o cenário da tentação de nosso Senhor.
Primeiro, a experiência de nosso Senhor no deserto O
identificou com a nação de Israel no Antigo Testamento.
“Então, foi conduzido
Jesus pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo. e, tendo jejuado
quarenta dias e quarenta noites, depois teve fome” (Mateus 4:1-2).
Mateus já ligou
Jesus a Israel por Sua genealogia (Mt 1:1-17) e pelo cumprimento
da profecia (Mt 2:13-23). O
número 40 e o deserto
conectam Jesus novamente com a nação
de Israel. O “deserto” não é apenas um lugar
associado à atividade demoníaca (Is 13:21; 34:14; Mt 12:43; Ap 18:2),
mas o lugar onde Israel experimentou suas provas iniciais. Assim como Israel
primeiro passou por seu “batismo” (“todos foram batizados em
Moisés na nuvem e no mar”, 1 Co 10:2) e então foi levado ao deserto por 40 anos onde
Deus os provou, então, após Seu batismo, Jesus foi testado no deserto por 40
dias. Moisés lembra Israel de suas provações em Deuteronômio 8:
“Todos os mandamentos
que hoje vos ordeno guardareis para os fazer, para que vivais, e vos
multipliqueis, e entreis, e possuais a terra que o SENHOR jurou a vossos pais.
E te lembrarás de todo o caminho pelo qual o SENHOR, teu Deus, te guiou no
deserto estes quarenta anos, para te humilhar, para te tentar, para saber o que
estava no teu coração, se guardarias os seus mandamentos ou não. E te humilhou,
e te deixou ter fome, e te sustentou com o maná, que tu não conheceste, nem
teus pais o conheceram, para te dar a entender que o homem não viverá só de
pão, mas que de tudo o que sai da boca do SENHOR viverá o homem” (Deuteronômio 8:1-3)
Jesus cita esse
versículo em Sua resposta à primeira tentação. Novamente vemos que Jesus é o “verdadeiro Israel” e o “verdadeiro Filho de Deus”.
Enquanto Israel falhou em suas provas, Jesus foi vitorioso, o que mostra que
Ele é qualificado como o Rei que expiaria nossos pecados na cruz e que julgará
o mundo com fogo.
Em segundo lugar, quero que você observe que “Jesus foi levado pelo Espírito ao deserto,
para ser tentado pelo diabo” (Mt
4:1). O Evangelho de Marcos é ainda mais forte, dizendo “o Espírito o impeliu ao deserto” (Mc 1:12). Jesus foi compelido pelo
Espírito a este lugar deserto para ser tentado.
O Espírito Santo
desempenhou um papel significativo na vida de nosso Senhor durante os 40 dias
de jejum e tentação. Veremos que Jesus confiou na Palavra de Deus para lutar
contra o diabo. Assim, foi tanto a Palavra de Deus quanto o Espírito de Deus
que guiaram e capacitaram nosso Senhor enquanto Ele prevalecia sobre Satanás em
Sua tentação.
Terceiro, o tentador era o diabo. A palavra grega diabolos significa estritamente “caluniador”;
mas o termo é a tradução regular
na tradução grega do hebraico “Satanás” (por exemplo, 1 Crônicas 21:1; Jó 1:6–13;
2:1–7; Zacarias 3:1–2). Ele é o principal opositor de Deus, o arqui-inimigo que
lidera todas as hostes espirituais das trevas (Gn 3; 2 Sm 19:23; João 8:37–40;
1 Co 11:10; 2 Co 11:3; 12:7; Ap 12:3–9; 20:1–4; 7–10).
Quarto, Jesus foi tentado no deserto durante todo o
período de 40 dias. Você pode ter a
impressão de que Jesus foi levado ao deserto por 40 dias e noites e então foi
tentado no final deste período. Mas Marcos e Lucas registram que Jesus estava “sendo tentado por quarenta dias pelo diabo” ( Lucas 4:2; também Marcos 1:13). As três
tentações que Mateus e Lucas registram ocorreram no final de 40 dias, mas todo
esse período foi um tempo de prova e tentação. A palavra “tentado” pode significar tanto provar quanto tentar. Como algo que o diabo faz,
deve aqui ser tomado como tentar, no sentido de tentar ao pecado. Mas o que o
diabo vê como uma tentação, Deus usa como uma provação para provar a fidelidade
de Jesus.
Quinto, durante Seus 40 dias e noites no deserto,
Jesus voluntariamente jejuou de comida.
Então Mateus 4:2 diz: “e,
tendo jejuado quarenta dias e quarenta noites, depois teve fome”. Isso não é porque não havia comida alguma
no deserto. João Batista viveu no deserto por um longo tempo, comendo
gafanhotos e mel silvestre (Mt 3:4).
Há duas visões
diferentes sobre o “jejum” de nosso Senhor no deserto. Há aqueles como
Crisóstomo e John Piper que acreditam que o jejum de Jesus lhe deu força
espiritual, preparando-o para ser vitorioso sobre as tentações de Satanás. E há
outros, como Calvino e Lutero, que não veem o jejum de nosso Senhor como
fortalecimento, mas como enfraquecimento.
O que vemos aqui é
um grande contraste entre a tentação de Eva e a de nosso Senhor. Adão e Eva não
tinham falta de comida ou água no jardim, e eles caíram ao escolher comer o
único alimento proibido. Jesus não tinha comida, e ainda assim Ele resistiu às tentações
de Satanás. Mateus mostra a força espiritual de nosso Senhor em Seu momento
fisicamente mais fraco.
Isso nos leva a,
2. A Primeira Tentação (Mt 4:3-4)
Mateus 4:3 diz: “E, chegando-se a ele o tentador, disse: Se
tu és o Filho de Deus, manda que estas pedras se tornem em pães”
Observe que Mateus
se refere a Satanás aqui como “o
tentador”. Marcos o chama de “Satanás” (Marcos 1:13), enquanto Lucas o chama de “o diabo” (Lucas 4:2).
Mateus está fazendo mais do que meramente identificar o oponente de nosso
Senhor; ele está descrevendo sua natureza e seu caráter. Isso é quem Satanás é;
isso é o que Satanás faz. Ele é o “tentador” e então, se for bem-sucedido, ele se torna
o “acusador” (veja Apocalipse 12:10; Zacarias 3:1).
Aqui, como Jesus
estava literalmente faminto e sem nada para comer, o tentador veio até Ele
sugerindo que Ele deveria usar Seu poder como Filho de Deus para transformar as
pedras em pão e comer. Jesus, é claro, poderia ter feito isso. Ele poderia
transformar água em vinho. Ele poderia multiplicar alguns pães e peixes e
alimentar milhares.
Qual era a natureza
dessa tentação? O ponto de cada tentação deve ser determinado examinando-se de
perto tanto a tentação quanto a resposta de Jesus.
Observe que o
tentador procurou apelar ao senso de identidade de Jesus. Ele disse: “Se és o Filho de Deus …” (Mt 4:3). Satanás não estava negando que
Jesus era o Filho de Deus, o sentido de Suas palavras é “Visto que és o Filho de Deus”. Satanás estava procurando apelar para
qualquer egoísmo em Cristo. Era uma tentação usar Sua filiação para Seu próprio
conforto, o que seria inconsistente com Sua missão ordenada por Deus. Jesus não
veio para satisfazer Seus próprios desejos, mas para fazer a vontade de Seu Pai
(Jo 5:30). Jesus diria a Seus discípulos: “A minha comida é fazer a vontade daquele que me enviou e realizar a
sua obra” (Jo 4:34).
Satanás atacou a
provisão de Deus: “Certamente o
Salvador do mundo precisa de Sua força. Você precisa de comida, ninguém em sã
consciência iria mais um segundo. Mas Você está no deserto, e não há nada para
comer. Não se preocupe, Você tem o poder de transformar pedras em pão. É isso
que você deve fazer”. Que tipo de
tentação simples, mas sinistra! Ela apelava ao senso de si mesmo. Estava
enraizada em uma necessidade genuína. Estava dentro do poder de Jesus como o
Filho de Deus. Mas veio de tal forma a minar a provisão de Deus e a palavra de
Deus.
Isso pode não nos
parecer tão sério, mas se Jesus tivesse cedido a esse pensamento, a salvação
teria sido impossível. Pois naquele momento Jesus teria colocado Sua própria
vontade à frente da vontade de Deus. Foi o Espírito Santo que levou Jesus ao
deserto e o levou a jejuar por aqueles 40 dias e noites. Usar Seu poder divino
para se alimentar seria desobedecer à clara liderança do Espírito Santo e de
Seu Pai. E esse egoísmo teria tornado Jesus impróprio como uma oferta pelo
pecado.
Como Jesus
responde? Com a palavra de Deus.
Mateus 4:4, Mas ele respondeu e disse: “Está
escrito: 'Nem só de pão
viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de
Deus'”. Não é instrutivo que as primeiras palavras que ouvimos dos lábios de Jesus no Evangelho de Mateus
mostraram Sua absoluta confiança
nas Escrituras escritas como a Palavra autoritária do Deus vivo. A questão
da errância ou irrelevância nunca ocorreu a Ele. Essas noções são de origem satânica
(Gênesis 3:1). Ao tentar
Eva, o diabo se propôs a fazê-la desconfiar ou distorcer a Palavra de Deus.
Jesus pegou e empunhou a arma que ela tão tolamente negligenciou em sua luta
com o tentador.
Jesus assumiu o
pensamento de que Ele poderia transformar pedras em pão, mas quando Ele colocou
esse pensamento contra a Palavra, ele foi claramente visto como falso. Jesus
cita aqui Deuteronômio 8:3, “Nem
só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus”, como mostrei anteriormente. Agora, se você
ler o contexto desse versículo em Deuteronômio, notará estas coisas: 1) Deus
enviou Israel ao deserto para prová-los (Dt. 8:2); 2) Deus propositalmente os
deixou passar fome (Dt. 8:3); e Deus os alimentou com maná que eles não
conheciam (Dt. 8:3); 4) Deus fez isso para que eles aprendessem “que o homem não viverá só de pão; mas o
homem viverá de toda palavra que procede da boca do SENHOR” (Dt. 8:3).
Em outras palavras,
Deus os deixou com fome e os alimentou com comida celestial para lhes ensinar
uma lição. E a lição foi: Deus tem todas as suas necessidades físicas sob
controle, então tudo o que você precisa se preocupar são suas necessidades
espirituais. De acordo com Deuteronômio 8:4-6, Deus fez a mesma coisa com
suas roupas. Ele sobrenaturalmente providenciou sua comida e roupa para que
eles vissem que Deus tinha tudo sob controle. Eles não precisavam se preocupar
com eles. Jesus ensinará exatamente isso no Sermão da Montanha em Mateus 6:
“Não andeis, pois,
inquietos, dizendo: Que comeremos ou que beberemos ou com que nos vestiremos?
(Porque todas essas coisas os gentios procuram.) Decerto, vosso Pai celestial
bem sabe que necessitais de todas essas coisas; Mas buscai primeiro o Reino de
Deus, e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas” (Mateus 6:31-33)
Israel exigiu seu
pão, mas morreu no deserto; Jesus negou a si mesmo o pão, reteve Sua justiça e
viveu pela submissão fiel à Palavra de Deus. A fome de Israel tinha a intenção
de mostrar a eles que ouvir e obedecer à palavra de Deus é a coisa mais
importante na vida (Dt 8:2–3). Hebreus 5 diz que “embora fosse Filho, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu” (Hb 5:8). Mais necessária do que pão para
Jesus era a obediência à Palavra de Deus. Jesus superou a tentação de
transformar pedras em pão para satisfazer Sua própria fome crendo na palavra de
Deus. Jesus se concentrou no eterno, no espiritual, na palavra de Deus, em Seu
Pai, na obediência.
Jesus seguiu a
liderança do Espírito Santo. Ele confiou na palavra de Deus. Ele confiou na
provisão de Deus. Jesus venceu a tentação. Ele passou na prova. A prova
demonstrou Suas qualificações como o Filho de Deus e o Salvador do mundo. Em
vez de transformar pedras em pão para satisfazer Sua fome, Ele se tornou o pão
vivo para satisfazer a fome de todos os que creem Nele. Em João 6, Jesus disse:
“Eu sou o pão da vida.
Vossos pais comeram o maná no deserto e morreram. Este é o pão que desce do
céu, para que o que dele comer não morra. Eu sou o pão vivo que desceu do céu;
se alguém comer desse pão, viverá para sempre; e o pão que eu der é a minha carne,
que eu darei pela vida do mundo” (João
6:48-51)
O pão que Deus deu
a Israel no deserto sustentou a vida física, mas não concedeu vida eterna.
Jesus, o “pão verdadeiro”, fornece vida eterna por meio de Seu sacrifício na
cruz. E Jesus demonstra Seu compromisso de ser obediente à vontade do Pai aqui,
bem no começo.
Este é o primeiro
“enfrentamento” entre Satanás e o Salvador, embora não seja o último. Mas neste
encontro com Seu arqui-inimigo, Jesus prevaleceu. Mateus está informando seus
leitores, eu acredito, que este é um antegozo das “coisas que virão”. Ele nos deixa
saber no início de seu Evangelho que Jesus sempre vence Satanás. A vitória de
nosso Senhor no deserto é o “primeiro fruto” da vitória maior que nosso Senhor
ganhará na cruz do Calvário, a mesma coisa que o sucesso de Satanás na tentação
teria impedido. Continua no próximo estudo...
A Terceira Tentação